Os médicos brasileiros passaram a ser vistos como verdadeiros heróis ao longo dos meses da pandemia do novo coronavírus. Não foi incomum assistir, manifestações de apreço, apoio e agradecimento aos médicos país afora. Eles têm se dedicado ao extremo para cuidar dos milhões de pacientes contaminados pela Covid-19, mas estão se cuidando?

Com esse questionamento, o Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), a Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), o Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Sociedade de Acadêmicos de Medicina de Minas Gerais (SAMMG)  promoveram o encontro “Como ser um cuidador que se cuida”, no dia 13 de setembro, na AMMG. Os convidados foram a jornalista e escritora Leila Ferreira e o teólogo e capelão Roberto Pereira Miguel, que trabalha no Moffitt Cancer Center, nos Estados Unidos.

Fabíola Tatiana de Souza, diretora do SINMED-MG, apresentou uma pesquisa realizada com 1.290 médicos de Minas para avaliar as condições físicas e mentais da categoria. O estudo mostrou que o índice de ansiedade e depressão é de 3 a 5 vezes maior entre os médicos do que na população em geral. “Isso é assustador e inadmissível”, disse Fabíola, que  chamou a atenção também para a quantidade de médicos sem tratamento.

Segundo ela, quase 40% dos médicos que apresentavam algum transtorno mental admitiram que deveriam estar sendo acompanhados por um profissional, mas até o momento da pesquisa eles não haviam procurado ajuda. Como a pesquisa foi feita em 2019, portanto antes da pandemia, Fabíola Souza acredita que esse número deve ser ainda mais preocupante.

Cuidadores precisam de cuidados

O capelão Roberto Pereira Miguel, que participou de Tampa, Flórida (EUA), contou que ele próprio foi vítima de transtornos mentais. Em 2016, já morando nos Estados Unidos, passou a ter crises de pânico. Segundo ele, por conta das longas jornadas de trabalho, pouco tempo com a família, mudança de país, uma nova cultura. Ele revelou que só se curou porque procurou ajuda de profissionais.

O capelão é, na sua própria definição, um especialista em assistência espiritual para  médicos, doentes e familiares que têm que conviver com uma doença que, para muitos, é sinônimo de morte. Sua experiência em lidar, no ambiente hospitalar, com a grande tensão de quem está em sofrimento, o fez perceber que os profissionais que cuidam dos pacientes também são muito vulneráveis.

Para o teólogo, os médicos também precisam de auxílio de um especialista, seja um psiquiatra ou psicólogo, mas, em muitos casos, também de uma ajuda espiritual, independentemente da religião.

A jornalista e escritora Leila Ferreira, que lida com a depressão e síndromes de pânico já há bastante tempo, assinalou que ser um cuidador que se cuida é um grande desafio. “Sendo cuidador e trabalhando com a saúde, você triplica esse desafio”, assinalou Leila.

Leila Ferreira também elogiou a iniciativa do CRM-MG de promover uma reflexão sobre o tema. “Esse tipo de iniciativa, de debate, de reflexão, é muito importante para conscientizar as pessoas de que para cuidar, elas têm que se cuidar. Cuidar do outro difícil. Cuidar de de si mesmo é difícil. Para somar essas duas coisas, é preciso uma consciência e uma vontade muito grandes”, destacou.

Como escritora e observadora da alma humana, Leila Ferreira afirmou que muita gente começa a sofrer, ter os primeiros sinais de depressão, crises de ansiedade em silêncio porque têm medo de se abrir, de mostrar as próprias dores. Na sua opinião, a grande maioria dos médicos decide não se expor para não parecer fraco diante de seus pacientes.

A presidente do CRM-MG, Cibele Alves de Carvalho, assinalou que quando o profissional decide abraçar a medicina imagina que vai conseguir resolver absolutamente tudo, inclusive a angústia de seus pacientes, mas que ‘não dá para esquecer que os médicos são seres humanos e precisam ser cuidados”.

“Como ser um cuidador que se cuida”  fez parte das celebrações do Setembro Amarelo organizada pelo CRM, AMMG, SINMED, ABP e SAMMG. Na próxima segunda-feira, dia 20, será realizada a Mesa Redonda ‘A saúde mental dos médicos e acadêmicos de medicina no Brasil’, com os psiquiatras: Antônio Alvim Júnior, Antônio Geraldo da Silva , Frederico Garcia e Paulo Roberto Repsold. No dia 27, também segunda-feira, será apresentada a peça “Do Rio ao Riso”, com o ator Carlos Nunes. O evento acontece sempre às 19h. Saiba mais: clique aqui.